Pesquisar este blog

terça-feira, 12 de julho de 2011

Consumir é liberdade ou liberdade é consumir?

      
     É incompreensível imaginar que em um país com mais de 190 milhões de pessoas, somente 2,7% desta população são detentores dos meios de produção e de acúmulo de riquezas, ou melhor, são estas pessoas que ditam as regras do jogo no país, são eles que possuem todos os lucros que os 97,3% restante da população produz e “consome”. Levando em consideração que nesta porcentagem estão incluídos os desempregados, pessoas em situação de rua e entre outros. Pois a final todos nós consumimos de um jeito ou de outro, seja para comprar uma bala ou para viajar, não é mesmo? Com isso temos uma certa sensação de “liberdade”.
     Mas esta suposta liberdade na qual é apresentada através do consumo, não passa de uma mera ilusão, pois somos condicionados 24hs por dia ao consumo de diversas coisas e uma grande parte desses materiais que consumimos não são necessários para a nossa sobrevivência. Já paramos para analisar se tudo isso que consumimos é necessário? É difícil refletir sobre o que consumimos, se é necessário ou não, no momento que somos BOMBARDEADOS constantemente por propagandas comerciais em revistas, jornais, internet, TV, rádios etc.
     Com este consumo desenfreado alimentamos (enriquecemos) cada vez mais estes 2,7%,que são os  grandes burgueses, em contra partida o restante da população encontra-se na margem da miséria, boa parte dela localiza-se em regiões sem nenhuma infra-estrutura para uma moradia “ideal”, como por exemplos: ruas sem asfalto, sem  saneamento básico, com água imprópria para o consumo, sem segurança, atendimento precário nos postos e hospitais (quando há), uma educação de baixa qualidade, entre outros, sem levar em conta outras pessoas que são jogadas na rua ou até mesmo pessoas onde vivem em regiões mais afastadas dos grandes centros urbanos (no caso do norte e nordeste) onde são obrigadas a extrair água de cactos para se sustentar ou qualquer outra planta e comer restos de alimentos estragados.  
     Esta minoria de pessoas tornou necessário o consumo para sobrevivência e manutenção do Capital, com isso criou uma máquina de consumo desacerbado que foi construída no século XVIII e até hoje vivemos alimentado esta minoria com a nossa mão-de-obra barata, com as nossas condições de vidas sub-humanas: passando fome, frio, sem teto, sem terra, sem sonho etc. Mas toda esta degradação do homem e a sua vida árdua é ludibriada com simples palavras nos anúncios de propaganda ideológicas: “que pagar quanto?”, “amo muito tudo isso”, “lugar de gente feliz é aqui” etc.
“A burguesia suprime cada vez mais a dispersão dos meios de produção, da propriedade e da população. Aglomerou a população, centralizou os meios de produção e concentrou a propriedade em poucas mãos. A consequência necessária disso foi à centralização política.” (Marx, 2002, p.50)
Continua...

Eu, etiqueta


Em minha calça está grudado um nome
Que não é meu de batismo ou de cartório
Um nome... estranho
Meu blusão traz lembrete de bebida
Que jamais pus na boca, nessa vida,
Em minha camiseta, a marca de cigarro
Que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produtos
Que nunca experimentei
Mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
De alguma coisa não provada
Por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
Minha gravata e cinto e escova e pente,
Meu copo, minha xícara,
Minha toalha de banho e sabonete,
Meu isso, meu aquilo.
Desde a cabeça ao bico dos sapatos,
São mensagens,
Letras falantes,
Gritos visuais,
Ordens de uso, abuso, reincidências.
Costume, hábito, premência,
Indispensabilidade,
E fazem de mim homem-anúncio itinerante,
Escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É duro andar na moda, ainda que a moda
Seja negar minha identidade,
Trocá-lo por mil, açambarcando
Todas as marcas registradas,
Todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
Eu que antes era e me sabia
Tão diverso de outros, tão mim mesmo,
Ser pensante sentinte e solitário
Com outros seres diversos e conscientes
De sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio
Ora vulgar ora bizarro.
Em língua nacional ou em qualquer língua
(Qualquer, principalmente.)
E nisto me comprazo, tiro glória
De minha anulação.
Não sou - vê lá - anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
Para anunciar, para vender
Em bares festas praias pérgulas piscinas,
E bem à vista exibo esta etiqueta
Global no corpo que desiste
De ser veste e sandália de uma essência
Tão viva, independente,
Que moda ou suborno algum a compromete.
Onde terei jogado fora
meu gosto e capacidade de escolher,
Minhas idiossincrasias tão pessoais,
Tão minhas que no rosto se espelhavam
E cada gesto, cada olhar,
Cada vinco da roupa
Sou gravado de forma universal,
Saio da estamparia, não de casa,
Da vitrine me tiram, recolocam,
Objeto pulsante mas objeto
Que se oferece como signo de outros
Objetos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
De ser não eu, mar artigo industrial,
Peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem.
Meu nome noco é Coisa.
Eu sou a Coisa, coisamente.
(Carlos Drummond de Andrade)